terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Petrônio Braz




EM BUSCA DA IDENTIDADE PERDIDA


Numa narrativa densa, instigante e universal o escritor Petrônio Braz reconta a saga de Antônio Dó, revelando sua verdadeira personalidade

Desafio. Essa é a palavra que melhor define o cotidiano do mineiro de São Francisco Petrônio Braz, cuja vida sempre foi pautada por provocações do destino desde a adolescência. Dono de firme determinação e sempre em busca do novo - ou do renovo-, Braz, com sabedoria, simplicidade e peculiar elegância, diz que se não venceu um desafio, também não foi vencido por nenhum deles, pois nunca se furtou à luta.

Presidente da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco (Aclecia), advogado, escritor, professor, assessor e consultor jurídico com vasta experiência no convívio teórico e prático com a administração pública municipal, Petrônio Braz ocupou todos os cargos eletivos em sua cidade natal – tendo sido o único juiz de paz eletivo no município –, unindo a experiência de mais de quarenta anos no meio político e administrativo, desde quando foi vereador e, depois, prefeito de São Francisco, ao aprendizado no mundo do direito, após bacharelar-se em Brasília/DF. Politicamente, como ele mesmo diz, chegou onde pretendia.

Jurista experiente, presta consultoria a agentes públicos administrativos municipais e também a professores de Direito Administrativo direcionado ao campo específico do município.

Autor de oito livros, cinco deles de literatura jurídica, e agora lançando o romance Serrano de Pilão Arcado, A Saga de Antônio Dó, resultado de 23 anos de estudo sobre a saga de Antônio Dó, dos costumes, linguajar, crendices, indumentárias e modos do sertão baiano-mineiro, além de um dicionário do vocabulário típico da região sanfranciscana.
Em entrevista exclusiva à Jornalista Jerusia Arruda, Petrônio Braz abre o coração e fala sobre seu trabalho como agrimensor, jurista, professor e escritor, suas andanças pela região onde Antônio Dó viveu, e como foi desafiado a tornar pública sua história e os verdadeiros motivos que o levaram a se rebelar.

Com emoção, o escritor relembra o natal de 2006 ao lado dos 12 filhos e esposa, frutos de dois casamentos, e da alegria de poder compartilhar suas experiências em uma obra que considera seu maior desafio e, também, sua maior realização.



Fale um pouco sobre sua formação acadêmica
Nos tempos em que meu pai pagou meus estudos fiz o curso médio de agronomia, em Viçosa/MG, porque ele queria que tomasse conta da fazenda, apesar de saber que seu sonho era que eu fosse advogado. Mas ele me enveredou muito cedo pela política e fiquei durante um bom período atuando como técnico agrimensor e fui diretor da estação experimental de agricultura de São Francisco, embora sempre atuando mais na área política. Depois me transferi para Brasília, onde estudei Direito, que era o que sempre desejei. Entrei para a faculdade aos 48 anos, estudando, inclusive, junto filho, e a partir daí passei a atuar efetivamente como advogado. Com a Constituição de 1988, que abria aos municípios a possibilidade de criação das leis orgânicas próprias, parti para o aperfeiçoamento na área de direito público municipal e assessoria a municípios.



Como começou a escrever?
Minha primeira obra foi Jandaia em Tempo de Seca, escrito nos idos de 78/79, mas por incrível que pareça não foi na época bem recebido pela minha família, aliás, pela minha primeira esposa, por causa dos termos mais realistas, que ela chegou a classificar como imoral. Foi preciso que tivesse uma segunda edição, onde Manoel Higyno fez um comentário classificando o livro como um ponto de partida da literatura do Vale do São Francisco.



Para um agrimensor e advogado, no Jandaia dá para perceber que sua veia poética já é bem latente.
Em parte sim. Eu já havia publicado um pequeno livro de poesia pelas edições Caravelas, do Rio Grande do Sul.



Como aflorou essa veia poética?
Acho que nasceu pela vontade de fazer, de escrever.

Sei que ficou durante anos coletando dados sobre Antônio Dó. Isso foi curiosidade, ou realmente com a intenção de escrever um livro?Eu te afirmo que não foi para fazer um livro. Quando foi lançado o filme Antônio Dó, em 1979, eu assisti em Brasília e saí decepcionado porque o filme mostra um bandido sem mostrar o homem, não tem autenticidade, não se cuidou nem de verificar os personagens. Mostra uma situação apenas vinculada ao nome Antônio Dó, sem conhecer a história Antônio Dó. Eles fundamentaram apenas o lado da polícia, o bandido sendo perseguido pela polícia. E o Antônio Dó era para nós um mito desde a juventude em São Francisco. Ouvíamos conversas e sabíamos que ele tinha sido perseguido, conhecíamos em parte os motivos, mas era muito vago. Meu pai também escreveu sobre Antônio Dó (São Francisco nos caminhos da história – Brasiliano Braz), mas ele viu o lado da sua influência na política de São Francisco, na mudança de comportamento dos chefes políticos da época. Depois que vi o filme, achei que era preciso ir além. Todo mundo só via o lado objetivo: Antônio Dó foi um bandido, invadiu a cidade, provocou a morte de um oficial de polícia. Mas em termos subjetivos, porque esse homem foi levado a fazer isso se ele era um fazendeiro próspero para a época? Teria tido ou não razão para as ações dele? Ninguém falou. E foi assim que comecei minha pesquisa.

Como coletou os dados?
Fui anotando das informações orais, tive ajuda do centro de estudos avançados da USP, onde tinha alguma coisa publicada sobre Antônio Dó e fiz pesquisa em jornais da época, em Belo Horizonte.

Em que momento passou a considerar a possibilidade de transformar essa pesquisa em livro?
Foi uma coincidência. Eu estava no fórum em São Francisco e o escrivão me falou que o juiz havia mandado separar uns processos que estavam jogados numa salinha, sem catalogar. Ele disse que entre eles havia um processo de Antônio Dó e resolvi verificar. Nem Saulo Martins, nem Guimarães Rosa, nem Brasiliano Braz, que escreveram sobre Antônio Dó, tiveram acesso a esses papéis. Não tiveram nem conhecimento deles, embora meu pai tivesse vivido na mesma época de Antônio Dó. O escrivão disse que se quisesse poderia levar, pois iriam ser queimados por ordem do juiz. Da análise desse processo juntei com o que já havia pesquisado e consegui comprovar realmente de onde partiu toda perseguição contra Dó. Esse processo existe, só eu tive acesso a ele, e no dia que tiver um arquivo público em São Francisco vou entregá-lo para fazer parte do acervo histórico da cidade. Por sorte João Botelho também conseguiu salvar todos os outros processos antes que fossem incinerados. Não sei o que deu na cabeça desse juiz de mandar queimar esses processos antigos. Um total desrespeito à história do município. A partir daí comecei a pensar em escrever o livro como um desafio de contar a verdadeira história de Antônio Dó.

Seria possível fazer um paralelo entre a história de Antônio Dó e a de Lampião?
Acho que Lampião foi um produto do meio na época. O Nordeste era uma região onde realmente existia uma disputa muito grande entre os usineiros, proprietários rurais, coronéis e a população como um todo. Não acredito que exista nenhum ponto comum entre os dois, a não ser a irresignação com a perseguição.

Como foi que Antônio Dó se rebelou?
Antônio Dó não tirou nada de ninguém. É verdade que no final da vida ele foi um pouco bandido, mas a princípio não. Ele só queria receber de volta o que havia perdido por perseguição política. Ao contrário de Lampião, ele não saía com um bando invadindo propriedades, roubando, matando. Para se defender da polícia ele procurava um lugar para se estabilizar, tanto é que ficou mais de ano como garimpeiro em Arinos. Depois, quando retornou a São Francisco foi com um bando de jagunços para se garantir contra qualquer perseguição. Mas era tido como “procurado”. Então se estabeleceu no distrito de Brejo da Passagem, hoje distrito de Serra das Araras, no município de Chapada Gaúcha, como uma espécie de mandatário, dono da região.

Os moradores o respeitavam?
Respeitavam. Ele fazia divisões, partilhas, casamentos, separações, dividia bens. Durante uns dez a quinze anos ele mandou naquela região sem ser perseguido pela polícia. Em razão de uma partilha de bens de um inventário que tinha ficado todo com a viúva de um morador da região, ele redividiu, dando a metade para ela e a outra para os filhos. O fato foi levado à justiça em São Francisco que, considerando que ele não tinha autoridade para fazer essa divisão, prendeu as pessoas beneficiadas. Dó então resolveu soltar essas pessoas. Foi sua última odisséia. Ele passou pela Ponte dos Ciganos, hoje São João da Ponte, para conseguir mais jagunços, e entrou em São Francisco pela última vez. Adão Oliveira da Rocha impediu que ele fizesse o ataque a São Francisco.

Como foi que ele morreu?
Um oficial de justiça foi enviado para fazer a intimação e a prisão dele, mas não chegou a fazê-lo porque tinha sido morto antes por Chico Nenê, de Brasília de Minas.

Por que ele foi morto?
Na década de 20 começaram a ser feitas as divisões de terra na região de São João da Ponte. O agrimensor estava lá fazendo a divisão e o padre Gangana, que por sinal era de São Francisco, pediu a Antônio Dó para que o afastasse de lá. O agrimensor era irmão de Chico Nenê, que era político em Brasília de Minas e também levou seus jagunços para o local. Mesmo assim Antônio Dó afastou o agrimensor, mas Chico Nenê infiltrou dois jagunços dele no grupo de Dó que, um ano depois, aproveitando a situação de conflito com a justiça, o mataram.

Nos textos de apresentação dá para fazer uma leitura de comparação e até de continuidade da obra de Graciliano Ramos e Euclides da Cunha.
Seria um encaixe.

Foi intencional?
Não foi. Guimarães Rosa deu conhecimento à nação brasileira do grande sertão. Aliás, a expressão grande sertão é criação dele.

Inclusive o Antônio Dó é personagem de seu livro (Grande Sertão:Veredas).
Sim, esporádica, sem profundidade, mas está lá. Acredito que características e peripécias de outros personagens do livro tenham sido inspiradas nas conversas sobre os feitos de Antônio Dó.

Além de um desafio superado, Serrano de Pilão Arcado poderia significar uma realização?
Totalmente, eu o tenho como a realização cultural de minha vida.

Foi seu maior desafio até então?
Com toda certeza. Eu te afirmo, eu tenho oito livros escritos. Esse pra mim vale mais do que todos oito juntos.

A história de Antônio Dó se identifica com o cotidiano do sertanejo mineiro-baiano?
Como é hoje?
O nível de compreensão da leitura e apreensão de conteúdos pelo estudante brasileiro está abaixo da média proposta pela Unesco e o Ministério da Educação propõe incluir na escola básica o ensino da Filosofia e da Sociologia, de forma a melhorar esse quadro.É importante, também, reduzir algumas disciplinas para que o aluno tenha tempo suficiente para acompanhar o processo, para que realmente dê resultados. Eu discordo plenamente, por exemplo, com a retirada do latim do currículo porque, mesmo sendo uma língua morta, foi o latim que deu origem à maioria das línguas faladas hoje e, além do mais, traz a objetividade do raciocínio. Não dá para fazer análise lógica ou morfológica sem conhecimento do fundamento da palavra. A questão da leitura é hábito, a criança tem que ser estimulada para que, com o tempo, se familiarize e possa melhor compreender. Têm pessoas, e não são poucas, que terminam o terceiro grau sem saber ler, se falarmos em compreensão. No exame de ordem do ano passado, apenas 6,3% dos bacharéis em Direito conseguiram passar. Quer dizer, falta preparo cultural. As faculdades não estão se preocupando com a formação do profissional, mas com a quantidade de alunos que forma ou que nela ingressam anualmente. A leitura é feita porque vai cair na prova, no vestibular, e não pelo prazer de ler. Então eu pergunto: essa correria, essa massificação do ensino está valendo a pena?

O livro então é um desafio vencido?
Reconheço que é um desafio vencido e é com certo orgulho que passo as mãos na capa dele.O que tem seu nesta obra?Qual livro que não tem muito de seu autor? Talvez o Padre Alkimim seja um Petrônio, o professor seja um Petrônio. É impossível separar o autor dos seus personagens...

... O criador da criatura...
É, não há como separar realmente. O que pensa homem de conhecimento um pouco mais evoluído, de certa forma, é o que pensa Petrônio Braz. Agora, o que pensa o homem simples é o que Petrônio Braz aprendeu com ele.O livro ainda não foi lançado oficialmente?Não, ainda está embalado. Será lançado nesta semana.

Tem algum projeto de transformá-lo em roteiro de filme?
Tive umas conversas com Teo Azevedo e depois com Jackson Antunes sobre o assunto, mas ainda não tem nenhuma proposta certa. Depois outro grupo me pediu um exemplar e eu enviei. Vamos ver o que vai acontecer.

Qual foi seu maior aprendizado na produção desse livro?
Respeito à pessoa humana. A história de Antônio Dó é um exemplo para que não possa nem deva prosperar qualquer perseguição, seja ela de que natureza for.
Hoje é diferente. O povo adquiriu consciência. O que existia antes era subordinação, aceitação do poder. O povo não sentia autoridade porque ele não criava autoridade. Ele recebia autoridade. E muitas vezes a autoridade não estava preparada para o exercício do poder. Eu não sou contra o coronel. O coronelismo foi um bem necessário a esse país, na sua devida época e condições. Sem o coronel no interior o Brasil não teria desenvolvido, porque o Estado não estava presente para dar garantia ao povo, e até hoje ainda não está. Eram os coronéis que faziam as vezes do Estado e tiveram um papel importantíssimo, tanto que são respeitados até hoje pelas comunidades onde viveram.

Em Casa Grande e Senzala, Gilberto Freire deixa claro que o escravo gostava do seu senhor.
Claro. O escravo estava conformado com sua condição. Ele tinha aquilo como forma de vida e tinha ali tudo que pretendia ter. A visão, o ideal de vida dele era aquele. É verdade que houve abuso de autoridade, como até hoje ainda tem. Mesmo assim, temos que nos atentar para uma realidade. Até 1960 ainda existia o princípio de autoridade no país. A evolução política, somada à irresponsabilidade dos dirigentes, especialmente depois da revolução de 1964 - e a corrupção nasceu com ela -, está havendo hoje, principalmente no Brasil que difere de muitas partes do mundo, um total desrespeito ao principio de autoridade e em razão disso, há um total desmando, um crescimento do crime organizado, a instabilidade, o desrespeito de pai para filho, pelas pessoas de um modo geral. Quer dizer, não está havendo esse princípio de autoridade porque a autoridade não se faz respeitar. Porque não se pode admitir que se tenha respeito por governantes que não respeitam o cargo que exercem. Pode escrever o que estou lhe falando: se não houver uma mudança radical vamos chegar a uma revolução, ao anarquismo social.

Depois de tantos anos, com a história sendo repassada na oralidade, qual a impressão do povo da região sobre Antônio Dó?
São Francisco não guardou sua história. As escolas fazem dramatizações, mas de um modo geral, junto ao povo, está caindo no esquecimento. Até a década de 1950 ainda era lembrado, mas daí pra cá, não mais. Com Serrano de Pilão Arcado minha pretensão é que a população do município tenha conhecimento de Antônio Dó, da realidade, do homem, do cidadão Antônio Dó.

O resgate histórico como o que foi feito em Serrano de Pilão Arcado, pode ajudar a comunidade na compreensão de sua história e a minimizar esses conflitos, ou pelo menos entender suas causas?
Eu vejo na história de Antônio Dó um marco de rebeldia contra o abuso de autoridade. O cidadão que não aceitou a opressão, não se omitiu, mas não teve condições de resgatar seus direitos nem mesmo pela força porque ele não tinha a quem apelar, se o próprio Estado, a serviço dos mandões, dos coronéis, dos chefes políticos, estava contra ele. É no mínimo um motivo para reflexão.

No livro é possível perceber uma leitura de mundo, uma impressão sensorial muito grande do autor em relação à linguagem, ao cenário. Como formatou isso?
Vivi muito tempo na roça, trabalhei 20 anos como agrimensor e percorri a cavalo toda a região onde Antônio Dó viveu. Freqüentei terreiro para saber de que forma Antônio Dó tinha o corpo fechado; não poderia descrever uma passagem de um terreiro sem ter ido a um, ou sua vida no garimpo sem viver pelo menos uma semana lá. Uma grande diferença entre conhecer o sertão e descrever o sertão como fez o Guimarães Rosa – apesar dele ter descrito muito melhor que eu - porque ele apenas percorreu a cavalo de Cordisburgo a Paracatu acompanhando a boiada e ouvindo histórias, mas não entrou no sertão. Eu sei o que é uma vereda realmente; o que é dormir ao relento; cavalo peado de pé e mão; comer rapadura com farinha numa viagem; passar uma semana debaixo de chuva viajando a cavalo; eu fiz isso. Não em razão do livro, mas pelo meu trabalho como agrimensor. Além do livro, reuni ao longo desses anos uma coletânea de palavras do linguajar da região e vou lançar um dicionário com o vocabulário sanfranciscano. Queria lançar junto com o livro, mas não deu. Já está no prelo e deve sair em março.

Sua narração é fluente, transporta o leitor, mexe com a imaginação e às vezes confunde lenda e realidade.
A intenção é realmente essa, que o próprio leitor crie uma imagem e um cenário para o personagem. Dou apenas as linhas mestras para que ele individualize um personagem.

Como desenvolveu essa linha?
Sou um leitor assíduo de Machado de Assis e ninguém conhece a língua portuguesa sem se debruçar sobre seus livros. Eu o reputo como pai da língua portuguesa no Brasil. De forma que minha escrita, minha forma de expressão tem muito dessa aprendizagem. Padre Antônio Vieira, Alexandre Herculano são as pessoas que também me deram motivação para escrever. No mais, é aquela busca do conhecimento, fixar uma forma própria de escrita. Tento buscar o subjetivo do personagem, transmitir seus sentimentos, sua natureza, seu lado humano, suas forças e fraquezas. Também fui professor muitos anos e isso ajuda na didática, na forma de conduzir a história.

Como foi sua experiência como professor?
Nós não tínhamos uma metodologia moderna como hoje. Procurava-se transmitir conhecimento da história sob o ponto de vista temporal. Pegava-se a história antiga até chegar à moderna.

As pessoas aprendiam bem?
Acredito que sim e tenho uma satisfação muito grande em dizer que meus alunos, de Várzea da Palma, especialmente, venceram na vida. Se tiver alguma exceção, é pouca.

Se comparar à época em que lecionou, como vê qualidade da educação hoje?
Estudei o primeiro ano de Pedagogia, primeiro ano de Letras, fui aluno da primeira turma da Faculdade de Filosofia de Montes Claros, e esse questionamento sobre a educação sempre foi uma constante em minha vida. Aquela divisão antiga do ensino, primário, ginásio, científico, curso superior era muito mais objetiva, tinha um sentido lógico. Eu acho que com essas reformas do ensino houve uma sobrecarga de matérias, e a junção do ginásio com o primário também sobrecarrega as crianças com matérias que não têm objetivo na sua formação, elimina o tempo e a própria capacidade de aprendizagem das matérias objetivamente necessárias. O trato das idéias deve ficar no primário grau, e o segundo grau tratar da condução da profissão que a pessoa pretende abraçar. Nós temos hoje pessoas que terminam o ensino médio sem saber em que profissão avançar, exatamente porque não foram conduzidas para essa finalidade.
Da época com toda certeza. O livro retrata a questão sociológica da época; a relação entre o coronelismo, o chefe político e o povo, a interligação de poder, de mando, a força política dirigindo os destinos do município sem pensar na coletividade. Se a pessoa pertencia ao partido político dominante, tinha tudo; se não, era perseguida, espezinhada, até seus bens eram tomados. Foi o que aconteceu com Antônio Dó.

Parece que a superação é uma constante em sua vida. Fez agronomia, que não era exatamente o que queria, mas chegou ao máximo que o município poderia dar. Aí vem o Direito e também tem uma trajetória interessante.
De fato, sempre fui muito determinado, quando decido fazer uma coisa, me dou o máximo e tento fazer o melhor.

A faculdade ajudou?
Ajudou, em parte ajudou, mas você sabe que escrever precisa ter a veia realmente; o preparo cultural aperfeiçoa, mas não faz um escritor. O bom professor de português geralmente não é um bom escritor, porque o bom escritor tem que dizer o que sente, ser autêntico, sem a preocupação com regras de gramática.

Para quem vive de desafio, vencido um é lançado o próximo?
É, mas sinceramente, não tenho mais uma projeção de vida que me autorize lançar um desafio dessa envergadura. Pode até ser que alguma coisa seja produzida, mas de menor escala. Eu até falo no livro, e talvez seja onde tem um pouco de Petrônio: Montaigne (refere-se ao escritor e ensaísta francês Michel Eyquem de Montaigne) nos afirma que a gente não deve pensar na morte, deve cuidar da vida plantando nossas couves. Eu vou continuar plantando minhas couves.


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Serrano de Pilão Arcado – A Saga de Antônio Dó
Petrônio Braz
Romance, 2006
Editora Mundo Jurídico, 596 páginas


fonte:http://jerusiaarruda.blogspot.com.br/2008_10_01_archive.html 

Ler e entender (por George Wagner – janeiro de 2013)

Há alguns dias, o articulista J.R. Guzzo lembrou que “só um quarto dos brasileiros adultos é capaz de entender realmente o que lê, de escrever o que realmente quer dizer e de continuar aprendendo com a utilização dessas habilidades”[1].
A notícia é bastante incômoda e remete ao perfil do que se chama de “analfabeto funcional”: sabe ler, mas não compreende o que lê.
O enfoque foi dado a pessoas com idade entre 15 e 64 anos. A maioria não tem hábito de leitura, nem tampouco interesse em evoluir, mesmo com a atual facilidade de acesso ao sistema educacional – inclusive para adultos. É mais confortável assistir televisão, por exemplo.
Inúmeros são os benefícios de uma boa instrução para o engrandecimento da pessoa e da sociedade em que vive. Discernimento, decisões fundamentadas e boa comunicação são alguns deles: discernimento para fazer boas escolhas; decisões com base no que se aprendeu da correta interpretação de um tema; boa comunicação para harmonizar diálogos e evitar maledicências e mal entendidos.
Seria utopia chegar aos 100% de aproveitamento do que se lê, mas a redução do quadro atual de “analfabetos funcionais” é possível, se a iniciativa partir da minoria (1/4) em direção às crianças e adolescentes de hoje.
Uma das melhores formas de aprendizado é o exemplo: filhos repetem o que os pais fazem. Se os pais – ou tios e padrinhos – tiverem hábito de leitura, as crianças se acostumarão com isso e poderão copiá-los.
Outro modo, ainda mais abrangente, é o incentivo: é dar o caminho, oferecer a oportunidade. Por exemplo, pode-se presentear os pequenos com livros e revistas, cuidando para que usufruam do mimo. Crê-se que a parte mais difícil é abrir o primeiro livro. Depois disso, o interesse torna-se espontâneo. Diz-se que essa forma é mais englobante porque o agraciado não será, necessariamente, um familiar: a boa ação atingirá a quem o doador quiser.
Por isso, tal como a parábola da estrela-do-mar, um pequeno ato unilateral tem o poder de engrandecer a sociedade, se cada um fizer a sua parte e incentivar os bons valores.
Comece agora: doe um livro!




domingo, 13 de janeiro de 2013

Nossa Cultura.



Pilão Arcado sempre teve um povo de uma cultura arraigada no sangue, de modo que nunca se deixaram cair às comemorações folclóricas, datas cívicas, folias carnavalescas e religiosas. Valendo ressaltar que tudo acontecia com o esforço mútuo da sociedade pilãoarcadense sem ajuda financeira da prefeitura. A começar pelo carnaval que se iniciava sempre no tempo certo, era um período de muita alegria estabelecendo três dias de felicidade sem canseira apenas com uma harmônica, um pandeiro e uma zabumba; em seguida entrava-se a quaresma na quarta feira de cinzas com as lamentações penitenciais deste período até a sexta feira santa quando encerrado com os penitentes se flagelando em louvor a paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo com muita oração no cemitério e na igreja. No sábado da aleluia era dia de queimar o Judas.
No mês de junho como sempre nosso padroeiro foi Santo Antonio, a cultura esteve sempre presente nas harmoniosas noites em homenagem ao santo. Durante esse período toda madrugada saía à alvorada pelas ruas da cidade, com músicas e fogos em louvor a Santo Antonio, representado e organizado pelas pessoas responsáveis por cada noite, junho se comemorava as fogueiras de ramos. Fogueiras enfeitadas de frutos amarrados nos galhos. Frutos como: laranja, melancia, mamão e outros prêmios, perfumes e outras variedades. Havia também casamento e batizado de fogueira. A quadrilha era a festa mais esperada de São João e São Pedro. Tínhamos o samba de roda, serestas, cantigas de roda. Festejava-se a Independência da Bahia no dia dois de julho aonde se promovia diversas disputas como: corrida de cavalos, disputas para tirar a argolinha dependurada numa trave com o cavaleiro encima do cavalo correndo com uma vara em movimento para acertar o centro da dita argolinha, apresentações de cavalos de marchas, corridas de jegues, eleição da Rainha, finalizando com um baile de grande participação da sociedade.
Datas cívicas comemoradas e sempre bem organizadas, como sete de setembro com desfile nas ruas. Dezembro: tempo em que as crianças ainda acreditavam na existência de papai Noel, em véspera de natal esperavam amanhecer o dia com o presentinho no pé. Era época em que se mantinha a missa do galo bem frequentada. Todos faziam com esforço o que podiam para ter o seu símbolo natalino em casa. Suas lapinhas (presépio) com grande variedade de enfeites onde a família e os vizinhos se reuniam para rezar e louvar o menino Jesus a partir de vinte e cinco de dezembro até seis de janeiro dia do encerramento. Nesse dia finalizava-se com uma confraternização, distribuía-se licor de jenipapo, aluá para os adultos. Sucos, bolos, ponches e balas de mel para a garotada e as mocinhas, muitas comidas típicas eram preparadas. Para muitos que não conhece aluá é uma bebida com álcool ou sem álcool, feita do milho, ou casca de arroz, ou limão que antigamente se costumava fazer. Tempos em que se conheciam lindos ternos desfilando pelas ruas da cidade. Comemorava-se o encerramento das lapinhas 06 de janeiro dia de Santo Reis e ao mesmo tempo iniciavam-se, os reis de boi que tinha início nesta data até o ultimo dia do mês de janeiro, finalizando com um piquenique por parte dos organizadores.
O futebol era bem organizado, todos se interessavam em buscar recursos para manter de pé o seu clube.
Outra coisa interessante que existia era os benzedores e benzedeiras que curavam dor de cabeça, tirava sol e sereno da cabeça, hemorragia, dor de dente, arca caída, erisipela, desmintidura, dor nas tripas, espinhela caída, ferida na boca, mau olhado, etc.

NOSSA CULTURA CULINÁRIA

Não esqueço jamais da paçoca pisada no pilão. Pilão que é o símbolo de Pilão Arcado. Pilão de madeira que deveria está presentes nas residências da nossa cidade. Pilão que deu origem a cidade também deveria está presente no slogan do município. Pilão que sumiu dos nossos olhos levando aquela gostosa paçoca junto. A paçoca de pilão era um prato predileto na casa de cada um de nós, sendo destinado por comum para o momento da ceia. Tínhamos o cascarrão, manuê, pomba de maroto, cambraia, brevidade, rolinha broa e suspiro; tínhamos o pirulito palito de mel, quebra-queixo, puxa. Tínhamos o doce de batata doce, doce de abóbora, arrieiro e muitos outros.


PEQUENA ANÁLISE DE COMO É NOSSA CULTURA HOJE

Hoje ainda temos como cultura, as lamentações, sexta feita santa os penitentes, visita de sétimo dia, dança de São Gonçalo, continuamos com reis de boi fragilizado das cantigas e das suas vestes, numa decadência sem limite. O futebol capenga, sem esforços dos esportistas a espera dos governantes; Santo Antonio, esse continua cada vez mais animado preservando sua cultura, é esse o nosso maior patrimônio histórico, uma imagem vinda de Portugal com aproximadamente duzentos anos, trazida pela família Guerreiro. Relata-se que existem apenas três imagens desse porte no Brasil, temos a imagem de São Miguel também como patrimônio histórico.
São João e São Pedro com suas fogueiras e quadrilhas animadas anteriormente, hoje, perdeu todo o seu brilho; dois de julho poucos jovens sabem o que significa, esqueceram nosso folclore, esqueceram nossas comidas, estamos quase sem identidade e muita coisa não se perdeu ainda graças ao nosso pároco e grande amigo Padre Guilherme, que a pesar de não ser pilãoarcadense e muito menos brasileiro nos incentiva sempre a não deixar morrer a nossa rica cultura, principalmente nas apresentações das noites de Santo Antonio que é sempre lembrado com temas culturais criados por artistas da terra como, dramatizações e poemas de autoria da saudosa Irene Antunes, de José da Franca e outros. Organizações de pastorais e demais outras pessoas talentosas da comunidade.
Uma cultura riquíssima que ninguém deixava cair, cada ano bem mais bonito e organizado. Em nossa cidade o pouco se tinha de lazer e cultura se fazia com muito carinho, hoje um retrato bem diferente do que era antes.
Estando à frente da Secretaria de Cultura de Pilão Arcado, tenho desejo de procurar recursos através de projetos para trazer de volta essas culturas que estão sendo esquecidas no decorrer do tempo. Precisamos da sua contribuição, a sua ajuda vai fazer a diferença. 

O Reisado




O reisado é uma manifestação cultural e religiosa muito popular, de origem Ibérica, surgiu em Portugal. Um culto católico em comemoração ao natal e o dia de reis. O período de 24 de dezembro a 06 de janeiro. Uma dança em comemoração ao nascimento do menino Jesus e em homenagem aos reis magos: Gaspar, Belchior e Baltazar, que levaram ouro, incenso e mirra, e representam as três dimensões de Cristo (realeza, divindade e humanidade). Foi trazido para o Brasil ainda no século XIX, e instalou-se em Sergipe no período colonial, aqui ganhou um caráter religioso e se transformou numas das maiores festa popular do País, a dança mistura o sagrado e o profano. Tornou-se uma manifestação folclórica, praticada em várias partes do Brasil. Hoje dançado em qualquer época do ano, os tema do seu enredo, variam de acordo com o local e a época em que são encenados, podem ser amor, guerra, religião, entre outros. O Reisado se compõe de várias partes e tem diversos personagens como rei, e o mestre, contramestre, figuras e moleques. Os instrumentos que acompanham o grupo são violão, sanfona, ganzá, zabumba, triangulo e pandeiro. Grupos organizados realizam do dia 01 ao dia 06 de janeiro, a visitação das casas durante a noite. Cada grupo, chamado em alguns lugares de folia de Reis, em outros, Terno de Reis, ou ainda Reisado. É composto por músicos tocando instrumentos, em sua maioria de confecção caseira e artesanal, como tambores, reco-reco, flauta e rebeca (espécie de violino rústico), além da tradicional viola caipira e da sanfona. O grupo também é formado por dançarinos, palhaços e outras figuras folclóricas devidamente caracterizadas. Todos se organizam sob a liderança do capitão da folia. Os marcadores representam o mal, sendo a concretização dos soldados de Herodes. Esta tem sua origem primária na festa do sol invencível, comemorada pelos Romanos e depois pelos Egípcios.
Em Pilão Arcado na cidade Velha. A festa de Reis de Boi era feita com muito amor, entusiasmo e alegria, todos fazia tudo com muita dedicação, carinho e respeito, era uma festa feita por pessoas idôneas que realmente se doavam com o espírito de gratuidade, com esforço de todos para que tudo saísse perfeito. Os próprios organizadores preparavam e confeccionavam suas vestes, cada um caracterizando de um personagem, esses personagens usavam máscaras para que não fossem reconhecidos. Os personagens que faziam partes desse enredo eram: o boi, Luiz caipora, sabiá, mulinha, os negros, os caboclos e as feras. Após a confecção das máscaras e roupas dos personagens, enfim de todos os bichos aí então a comissão organizadora saia de casa em casa oferecendo o Reis, na casa em que era aceito, eles chegavam à noite alegres cantando pelas ruas, acompanhados de sanfona, zabumba, violão e pandeiro e cantavam nas ruas.

“Todo mundo me dizia que esse reis não saía.
Esse reis anda na rua com prazer e alegria...”

Ao chegar a casa cantavam:

Senhora dona da casa abra a porta e venha ver,
Venha ver suas criadas que já vem lhe obedecer (bis)

Essa casa é bem feita por dentro e por fora não
Por dentro cravo de rosa por fora manjericão (bis)
Os telhados dessa casa todos eles são de vidro
Nela viva muitos anos a mulher com seu marido (bis)...

Após esse canto iniciava-se a dança do Reis de boi chamando bicho por bicho para fazer sua dança no centro da roda e assim sucessivamente com sua música entoada. O Reis de boi em nossa cidade iniciava-se no dia 06 de janeiro até o dia 30, dia 31 fazia-se a confraternização com todos organizadores e dançarinos do Reis.
Em nosso Pilão Arcado hoje ainda se tenta manter a cultura do Reis de boi. Embora muito fragilizado, perdeu o seu brilho, cada ano que passa é mais visível a sua decadência, isso porque os organizadores de outrora não deixou sucessores preparados, com o mesmo amor, e com o surgimento da televisão e outras modernidades vem perdendo seu espaço na nossa cultura.
Em algumas regiões do nosso município, existe o reisado, mas com uma diferença, não tem personagens, somente um grupo de pessoas que saem cantando altas horas da madrugada de porta em porta, chegam em silêncio na casa e cantam.
“Ô de casa, Ô de fora
Maria vai ver quem é
É os cantador de reis
Quem mandou foi São José

Eu vim de longe
Trazendo a folia do Santo Reis
Eu vim de longe
Trazendo a folia do Santo Reis

Refrão...

De Jessé nasceu à vara
Da vara nasceu a flor
E da flor nasceu Maria
De Maria o Salvador

Refrão...

25 de dezembro
Rei Messias foi nascido
No dia 06 janeiro
Ele foi reconhecido.”

Em seguida os donos da casa abrem a porta, o grupo entra e fazem o samba de roda ou batuque cantando várias músicas e tirando versos. Essa cultura é mantida até os dias de hoje em muitas das nossas regiões.
Desejamos também restaurar essa cultura, através de projetos para conseguirmos pequenos recursos financeiros e consecutivamente fomentar a nossa sociedade.


Igreja do Pilão Velho, Imagem de Santo Antonio na despedida e pedra branca, conhecida por cruzeiro.






Pilão Arcado – Município brasileiro do estado da Bahia, com uma área territorial de 11.127Km2. quase a metade do estado do Sergipe. De acordo com o senso 2010 tem uma população estimada em 32.815 habitantes. Pela tradição sua denominação está ligada uma lenda de pescadores que encontraram um pilão de pedra, com formado de curva em arco na margem esquerda do rio São Francisco, o referido pilão encontrado era utilizado pelos pescadores para pilar o sal grosso utilizado na conservação de pescados. Até certos tempos Pilão Arcado para muitos era o fim do mundo, hoje já está bem conhecido, nossa área territorial limita-se com Remanso - BA. Campo Alegre de Lourdes-Ba. Morro-Pi. Buritirama – BA. Avelino Lopes – PI. e Guaribas – PI. Por volta do final do século XVII, ordenado pelo vice-rei D. João de Lencastre, com o objetivo de coibir os ataques dos índios acoroazes e mocoazes nas fazendas de gado existentes na região. Naquela ocasião em terras da província de Pernambuco, foi criado em 1810, com a denominação de Vila de Pilão Arcado. Em 1824, devido às revoltas separatista dos pernambucanos contra o império, passou a integrar a província de Minas Gerais. Em 1827, com todo o além São Francisco, passou a administração da província da Bahia. Em 1857 foi extinto como município, integrando então ao território de Vila de Nossa Senhora do Remanso de Pilão Arcado. Em 1890, foi desmembrado de Remanso. Sendo elevado a categoria de cidade em 1938. Em 1978, devido à implantação da barragem de Sobradinho, no rio São Francisco, fomos transferidos para um local distante 24 km. da antiga cidade, onde se construiu uma nova cidade planejada pelo o Governo Federal através da Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco a “Dona CHESF” como dizia o Padre João. E assim foi nosso destino mudado pelas mãos do homem. A mudança foi muito desagradável. Casas inacabadas, água racionada, tudo bem limitado. A dor maior no coração dos pilãoarcadenses foi saber logo depois de 1979 que não houve nenhuma enchente que viesse deixar a cidade submersa, mas a ordem da CHESF foi cruel, colocar todas as casas no chão e trazer para nova cidade o material para ajudar construir as novas casas.